É incrível como algumas vezes a natureza pode
surpreender por seu compasso tão preciso com a cultura. Ou seria o
contrário? Enfim...
Digo isso, pois há algum tempo eu descobri as
pequenas aranhas do gênero Maratus e
fiquei fascinado por elas. Vulgarmente chamadas de Peacocks spiders (aranhas-pavão), esse gênero de aranhas
saltitantes foi descrito já há bastante tempo, em 1878 por Ferdinand Anton
Franz Karsch, um entomologista e aracnologista alemão. Porém, somente na década
de 1950 as primeiras espécies do gênero foram descritas de forma mais
consistente por Dunn (1957). Todas elas presentes na Austrália.
O gênero Maratus
apresenta aproximadamente 30 espécies de aranhas descritas até o momento. Elas são
pequenas (machos têm entre 2 e 8 mm) e apresentam uma grande capacidade de
saltar (estão na família Salticidae), mas com certeza essas não são as
características mais fantásticas que elas apresentam. Se você tem pavor de
aranhas, fique tranquilo! Talvez depois de conhecer as Peacock spiders você se cure definitivamente e isso por diversas
razões.
Preparem-se! Aqui eu faço um grande parênteses
e lanço um salto gigantesco como uma Peacock
Spider para deixá-los ainda mais curiosos, para escrever um pouco
sobre as máscaras! A relação entre o ser humano e as máscaras é muito longa. Existem
exemplares de máscaras antropomórficas encontradas na região do Oriente Médio
com mais de 9 mil anos! Com variados usos na história, as máscaras sempre
trazem uma relação com a possibilidade de exercitar a imaginação e o simbolismo.
De adentrar em um universo oculto e inacessível pela experiência cotidiana com
o mundo e com os outros. Octávio Paz, poeta e intelectual mexicano, diz que “Enquanto
estamos vivos, não podemos escapar de máscaras e nomes. Somos inseparáveis de
nossas ficções – nossas feições”. O fato é que a pluralidade do uso das
máscaras em diferentes épocas e em distintas sociedades remete ao caráter
transformatório que elas evocam. Sejam elas usadas para rituais religiosos,
mágicos, artísticos, lúdicos, etc...
Podemos dizer que praticamente todas as
culturas humanas apresentam, em algum aspecto uma relação com o mascaramento.
Porém, não vou me aprofundar nessa questão muito interessante por sinal,
mas somente enfatizar um pouco sobre as máscaras rituais utilizadas por alguns
grupos étnicos na Oceania.
Para diversas
sociedades nativas, a violência da natureza e as doenças súbitas, por exemplo,
são as forças que precisam ser apaziguadas e elas se misturam nas mentes
nativas com ideias sobrenaturais. O céu e deus, a chuva e
divindades são diferentes aspectos da mesma coisa. Para apaziguar esses deuses
é que são realizados rituais são realizados. Ou
seja, as cerimônias são um aspecto essencial de suas vidas. Uma saída
espetacular para emoções intensas. Nas cerimônias, as máscaras são apetrechos fundamentais e
estes objetos refletem a preocupação dos nativos com o dramático. Eles infundem em um objeto
atemorizante seu próprio sentimento de terror e sua inadequação em face das
forças naturais. É uma aparição quimérica tornada
real por meio da arte.
Abaixo segue uma relação imagética de diversas
máscaras rituais de diferentes grupos étnicos Polinésios, além de um vídeo
mostrando um ritual que utiliza as máscaras.
Máscara Tatanua. Nova Irlanda. Madeira, casca, cal e fibras.
Essa máscara era usada em cerimônias funerais chamadas de Malagan. |
Maratus madelineae macho. Foto de Jürgen C. Otto. |
Finalmente agora podemos voltar às aranhas Ufffff,
quase esqueci delas nessa viagem toda com máscaras e aranhas? Para tentar
relacionar as coisas. Outra característica interessantíssima das aranhas do
gênero Maratus, é a morfologia do
abdômen (opistossoma) no corpo dos machos. Em quase todas as espécies, os
machos apresentam um abdômen extremamente colorido e com padrões de coloração
muito intensos. Essas cores são o resultado de escamas iridescentes que
refletem a luz (tanto a visível, quanto a luz ultravioleta) e se relacionam com
o comportamento de corte realizado pelos machos.
Close na carona da Maratus jactatus evidenciando seus vários
olhinhos e seus palpos peludos. Foto: Jürgen C. Otto. |
Outra questão muito
interessante é que em nenhuma espécie o padrão de cores dessas escamas se repete.
É um padrão único e extremamente sofisticado de cada uma dessas espécies. Em
alguns casos são padrões impressionantes! Em um artigo de março de 2015, Jürgen
C. Otto, grande entomologista responsável por dar visibilidade às Peacock Spiders, descreve, por exemplo,
a Maratus elephans. Uma espécie recém-descoberta
e descrita do gênero Maratus. Mas e esse nome... Maratus elephans? Não lembra elefante? Pois então... Nós não
estávamos falando de aranhas? Sim.... Estou confuso!
Háááá, não se preocupe. Realmente Maratus elephans refere-se a elefante, como sugere Jürgen em seu
artigo:
O nome específico do grupo (elephans, Latim, a partir do ἐλέφας grego antigo, substantivo em aposição ao nome do gênero, Tradução Português elefante) refere-se à semelhança entre o padrão sobre a lâmina superior do opistossoma de machos adultos desta espécie e a cabeça de um elefante visto de frente.
Olha só o retrato dela:
Pois bem, no momento em que encontram as fêmeas, os
machos levantam seu opistossoma e seu terceiro par de patas e iniciam um comportamento
de corte muito interessante com movimentos repetitivos e muito intensos. Em
algumas espécies os movimentos são laterais. Em outras envolve giros completos
de 360º ao redor do próprio corpo. Existem outras que movimentam também
horizontalmente o terceiro par de patas enquanto movem o corpo e o opistossoma.
Enfim, é uma grande coreografia extremamente sofisticada com o único e
exclusivo objetivo de reproduzir-se. Passar seus genes para a geração seguinte
e perpetuar a espécie.
É aqui! Exatamente nesse espaço-tempo que as duas
histórias se cruzam: as Peacock Spiders
encontram as máscaras! Mas como? Por quê? Onde?
Mais um háááá! Uma das 30 espécies de Peacock, a Maratus speciosus, apresenta uma característica muito interessante.
Assim como as outras espécies, seu opistossoma também exibe um padrão único e
com escamas iridescentes, porém, seu padrão de coloração assemelha-se muito a
uma máscara humana. Uma máscara antropomórfica.
Exatamente como as máscaras usadas nas tradicionais cerimônias e rituais Polinésios.
Maratus speciosus. A verdadeira aranha mascarada em ritual de corte. Acaso?
|
No belíssimo vídeo abaixo vocês podem ver a Maratus speciosus em sua dança ritualística típica. A aranha polinésia, mascarada e que traduz em seu corpo os hábitos culturais de diversos grupos étnicos humanos desde há muitos séculos, ou até mesmo milênios.
Aqui a biologia encontra a cultura. Encontro inevitável que muitas vezes deixamos passar desapercebido e que se reflete em tudo. Nossas tradições culturais e a diversidade étnica que nos constitui é, continuamente, atravessada pela natureza em suas mais diversas expressões. Aprender a enxergar essa relação é algo que promove uma reconexão necessária com o que em nós é animalidade e persiste e, sempre persistirá.
Referências:
Flickr de Jürgen C. Otto com milhares de fotos das Peacock Spiders: https://www.flickr.com/photos/59431731@N05/
Página do facebook sobre as Peacock Spiders:
https://www.facebook.com/PeacockSpider?ref=ts&fref=ts
Natali Anderson, 2015. Two New Species of Peacock Spiders Discovered in Austrália
OTTO, J; HILL, D. An illustrated review of the known peacock spiders of the genus Maratus from Australia, with description of a new specie. Peckhamia 96.1, 2011.
OTTO, J; HILL, D. Notes on Maratus Karsch 1878 and related jumping spiders from Australia, with five new species (Araneae: Salticidae: Euophryinae). Peckhamia 103.1, 2012.
OTTO, J; HILL, D. Maratus elephans, a new member of the volans group from New South Wales. Peckhamia 123.1, 2015.
DUNN, R. A. 1957.The Peacock Spider. Walkabout, 1957.
Sketchs of Maratus
Maratus
Australian Museum: Natural Culture Discover
KAEPPLER, A. Ceremonialmasks: a melanesian art style. JPS, 1963.
The Flourishing os Island Cultures: The Art of Oceania
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